sexta-feira, 28 de outubro de 2011

o amor em portugal





mesmo que dom pedro não tenha arrancado e comido o coração do carrasco de dona inês, júlio dantas continua a ter razão: é realmente diferente o amor em portugal. Basta pensar no incómodo fonético de dizer «eu amo-o» ou «eu amo-a». em portugal aqueles que amam preferem dizer que estão apaixonados, o que não é a mesma coisa, ou então embaraçam seriamente os eleitos com as versões estrangeiras: «i love you» ou «je t'aime». as perguntas «amas-me?» ou «será que me amas?» estão vedadas pelo bom gosto, senão pelo bom senso. por isso diz-se antes «gostas mesmo de mim?», o que também não é a mesma coisa. 
o mesmo pudor aflige a palavra amante, a qual, ao contrário do que acontece nas demais línguas indo-europeias, não tem em portugal o sentido simples e bonito de «aquele que ama, ou é amado». diz-se que não sei-quem é amante de outro, e entende-se logo, maliciosamente, o biscate por fora, o concubinato indecente, a pouca vergonha, o treco-lareco machista da cervejaria, ou o opróbio galináceo das reuniões de «tupperwares» e de costura.  [...]
a retracção épica a que os portugueses se forçam no uso próprio das palavras do amor, quando o contexto é minimamente público, parece atirá-los ilogicamente, para uma confrangedora catarse de lamechices cada vez que se encontram sós com quem amam. dizer «eu amo-te» é dizer algo que se faz. dizer «eu tenho uma grande paixão por ti» é bastante menos do que isso — é apenas algo que se tem, mais exterior e provisório. os portugueses, aliás, sempre preferiram a passividade fácil do «ter» à actividade, bastante mais trabalhosa, do «fazer».  [...]


- do por mim já muito amado miguel esteves cardoso,
in , a causa das coisas

Sem comentários:

Enviar um comentário

A tua opinião conta, e eu conto com ela,

Ninna (: