Foi-se, numa noite escura, a
inspiração. Partiu, não deixou rasto. Não há mensagens escritas no papel, junto
à entrada. Nenhuma chamada perdida. Nem um único telefonema, ou um aviso.
Foi-se e levou a roupa. Deixou a
cama feita, os lençóis lavados e a chave da porta de entrada na mesa da
cozinha.
E eu, depois de acordar, já dia
frio, já manhã branca, nem notei a sua falta. Não lhe segui o cheiro. Não a
soube perder de vista. Não a senti partir-me o coração. Olhei simplesmente o
gelo da casa vazia, das mãos suadas de um arrepio espinal, próprio de quem
sente a morte perto, a envolver-se na sua solidão – olhei o gelo e percebi
tudo.
É que, numa noite escura, partiu
sem deixar rasto a tristeza que havia em mim. A solidão que morava cá dentro. O
ódio e o rancor, meus vizinhos. E a nostalgia dos momentos passados e vividos
num outro outrora. Foi-se a inspiração das coisas tristes, a inspiração útil. E
ficou – penso eu – algo que poderia chamar de inspiração alegre, mas que, não a
sabendo usar, não me serve de nada e entristece-me na mesma, não sendo sequer
inspiradora.
Agora escrevo, mas nada sai,
porque já não sei escrever. O coração já não trabalha. O cérebro avariou. A
mente – será que existe? E, sentada num
colchão fofo, pernas encolhidas, olho todas as letras que já brotaram de mim,
como uma nascente de água fresca e que cessaram de escorrer.
Sobra-me, então as mãos, vazias,
inúteis. Paralisadas.
- nj
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