domingo, 12 de dezembro de 2010

Eu sempre fui tudo o que tu quiseste. Sempre fiz tudo o que tu quiseste: as notas, o bom comportamento, a boa educação, o piano. Engoli sapos. Tantos, mas tantos sapos! Ouvi e calei, porque não queria problemas, porque tinha o meu mais profundo respeito e porque, caramba, te adoro.
Durante 14 anos da minha vida, fiz muito de bom. E sabem que mais? Não me lembro de alguma vez ter recebido uma palavra de agradecimento por isso.
Eu bem sei que muita gente tem por opinião que palavras são isso mesmo, meia dúzia de letras vazias, juntas umas às outras. Vazias no sentido de sem sentimento, ocas de emoção. Bem conheço a expressão "ah! são só palavras" que tanta gente gosta de aplicar.
Mas não são SÓ palavras. São a nossa maneira de comunicar. Podiam ser sinais de fumo, podiam ser gestos, mas não, são palavras. Frases. Pequenas, grandes expressão que nos permitem entender-nos uns aos outros.
Se calhar tu és da opinião que as palavras são meros símbolos escritos, e achas que nem sempre as deves utilizar. Mas por algum motivo dizer "eu amo-te" é complicado. Por algum motivo, as pessoas decentes não o dizem a toda a gente. Se calhar existe uma razão para ficarmos magoados com simples palavras, sabes? E, neste caso, magoa-me a falta delas.
Magoa-me nunca me teres dito "estou orgulhoso de ti", sabes pai? Magoa-me muito. Magoa-me nunca teres dito "eu amo-te". Magoa-me nunca me teres encorajado para nada.
Fico triste por simplesmente gostares de dizer que está difícil. Que será difícil. Que devia por os pés no chão. Fico destroçada quando te ris dos meus sonhos, "aiai, Catarina, tu hás-de crescer e depois dás-me razão!"
Mas quê? Achas que não sei nada disso? Achas mesmo que nunca pensei que tenho ideias tolas? E achas que me interessa ter os pés no chão e a cabeça baixa, nesta altura? Enfrentar os problemas, os outros, opiniões diferentes como tu? Já alguma vez imaginaste que estou a crescer e, apesar de quando era miúda não ligar a esse tipo de coisas, agora fico magoada quando me gritas? Quando te passas completamente? Que não me esqueço, como dantes, em meia dúzia de segundos, as coisas que dizes e tentas que eu pense?
Somos diferentes, pai. Tão, mas tão diferentes. Tu trabalhas, ganhas dinheiro e investes, para puderes trabalhar ainda mais, ganhar ainda mais, investir ainda mais. Estás completamente viciado nessa tua roda gigante que, qualquer dia, passará por cima de ti, sem que tu dês conta. Tu matas-te a trabalhar, para nunca aproveitares o que tens. O que podes ter. O que todos podiamos ter.
Eu sou diferente pai. Quando crescer, quero trabalhar para sustentar a minha pessoa e a minha família. Para poder viver de verdade. Quando for como tu, grande, adulta, capaz de gritar com os outros porque não tenho argumentos, quero não fazer isso. Quero lembrar-me de que fui pequenina, um dia, diferente de ti, e que ficava muito magoada quando gritavas comigo. Para não gritar com os outros. Para não me fazer valer por meio da violência.
E, sabes pai, eu amo-te. Nunca te disse isto, mas eu amo-te. E por isso mesmo, por te ter um carinho completamente ridículo de tão grande que é, fico triste, partida por dentro, quando percebo que a vida está a passar por ti e tu não a estás a agarrar. Quando te vejo a acordar cansado, porque dormiste pouco. Quando te sinto tenso, porque tens mil e duas coisas para fazer. Quando te vejo quase perdido, no meio de tanto trabalho, tanta responsabilidade, tantos problemas e coisas de gente grande para resolver.
Sabes que mais? Quando for grande, quero ser exactamente como sou agora.
Diferente de ti.
Completamente feliz.

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